sábado, 29 de junho de 2019

Na natureza selvagem

                                                                               "Em vez de amor, dinheiro, fé,  fama, equidade, 
                                                                                                           me dê a verdade” (Thoreau)

E por que será tão difícil isso? Por que a verdade é coisa tão rara na sociedade atual? Por que as pessoas preferem amor, dinheiro, poder à verdade? Por que se sentem mais confortáveis mentindo? Por que a sinceridade e autenticidade são tão mal recebidas nesse mundo? Por que desde pequenos aprendemos que dizer a verdade demais pode magoar as pessoas? Por que existem tantas máscaras que precisamos vestir? Por que precisamos simular identidades e calar autenticidades para sermos aceitos?
Vivemos iludidos, enganados e nem sempre percebemos. Parece que a ilusão nos conforta e afasta da angústia, da solidão, do sofrimento, coisas tão temidas no mundo atual.
Mas e quando a verdade escapa e insiste em saltar aos olhos, como se uma venda fosse retirada e toda a luz entrasse de uma vez? Será que damos conta?
No filme "À primeira vista", o personagem principal - Virgil (o lindo Val Kilmer) ficou cego aos três anos e volta a enxergar após uma cirurgia. Vemos a dor física e emocional que ele sente ao começar a ver o mundo. Tudo o incomoda e o que antes fazia todo sentido não faz mais. A forma como percebia o mundo e as pessoas muda e ele chega a dizer que não as reconhece mais quando começa a vê-las. O mundo parece feio, as pessoas exageradas, as relações falsas. 
Ou seja, ele vê o mundo exatamente como ele é... A ignorância (e nesse caso a cegueira) pode ser uma benção.
Da mesma forma, nos sentimos quando uma verdade vem à tona, principalmente, quando essa verdade diz respeito à nossa história, à nossa origem e foi guardada por toda uma vida. É como se retirassem a venda dos nossos olhos e a luz entrasse com tanta força que machucasse as camadas mais profundas do nosso ser.
Será que era melhor continuar acreditando na mentira? Será que iludidos estávamos mais felizes? 
Essa escolha lembra aquela cena do filme "Matrix", na qual Morpheus oferece as pílulas vermelha e azul para que Neo - o Escolhido, para que ele escolha entre um mundo real e verdadeiro (e feio) ou um mundo de ilusão no qual já está. Ele escolhe o mundo real e sofre as consequências disso, desde as mais graves como ser perseguido por todos, até as mais sutis como ingerir uma "papa" sem sabor no lugar dos deliciosos (e ilusórios) pratos do mundo "de mentira". 
De novo, a impressão é de que a ignorância é uma benção. Será?
A verdade é que depois de começarmos a enxergar, depois de escolhermos a pílula vermelha, depois que a verdade aparece, não dá mais para voltar. Tudo fica assustadoramente claro, escancarado e explícito. 



Ah... a melancolia...

Dizem que o Sol nasceu para todos, mas que diferença isso faz para aqueles que não sentem ou se incomodam com o seu calor?
Dizem que ser feliz é uma questão de escolha. Mas o que há com aqueles que a escolhem, mas não são por ela escolhidos?
Dizem que todo dia é uma nova oportunidade. Mas o que fazer com dias e anos que parecem iguais, repetidos?
Ando estudando a depressão, ou melhor, as depressões e suas diferentes nuances.
Estudar a tristeza parece algo triste demais. E é...
Escolhi a saúde mental, dentre tantas possibilidades na Psicologia, por causa de um ex que sofria de depressão, daquelas intensas, cheias de dor, que parecem eternas. Queria entender como alguém podiam sofrer tanto, tanto que podia até contaminar outras pessoas com seu sofrimento.
Queria entender porque viver às vezes é insuportável.
Nem a Graduação, nem a Pós, nem meus anos de trabalho na saúde mental me trouxeram muitas respostas.
Agora começo a des-cobrí-la...
Não através dos livros ou teorias, embora a literatura sempre tenha me levado mais perto delas. Não através de palestras ou aulas. Não pelos pacientes que atendo.
Des-cubro da única forma genuína: sentindo...
Sim, a vida pode mesmo ser insuportável. Sim, dor emocional pode travar o corpo, como se virasse uma pedra gigante e impedisse qualquer movimento corporal.
Quando assisti ao filme "Melancolia" de Lars Von Trier, me emocionei profundamente e empatizei com a dor da personagem de Kirsten Dunst .Parecia tão óbvio pra mim o alívio que ela sentia com a aproximação do planeta Melancolia, que eu não entendia o que as pessoas tanto criticavam e questionavam sobre isso.
É possível sentir-se aliviado com o fim do mundo, quando o fim do próprio mundo já aconteceu.
Mas se ela queria tanto isso, por que não acabou com seu mundo individual? Porque não realizou logo o suicídio?
Porque isso exige coragem e até uma certa fé. Uma música do Engenheiros do Hawai diz que "todo suicida acredita na vida depois da morte".
Tenho minhas dúvidas...
De qualquer forma, o suicídio exige uma dose de egoísmo para não pensar nos sentimentos e culpas dos que ficarão. Ou talvez uma super dose de desespero, que impeça que essa preocupação apareça.
Enfim.... alguns, simplesmente, não vão se suicidar...
Mas, talvez, sonhem com o dia em que o mundo acabe ou sua própria vida, naturalmente.
Li outro dia uma reportagem que falava da "bela" história de um músico que pretendia suicidar-se, mas foi "milagrosamente" salvo por um familiar. Terá sido esse um ato de amor? Obrigar alguém a viver mesmo sem desejar, mesmo sem qualquer sentido, será correto?

https://www.youtube.com/watch?v=Ty80gJfKDlE