terça-feira, 12 de agosto de 2014

O mundo ao contrário...




"O mundo está ao contrário e ninguém reparou"
Eu reparei...
Não costumo me emocionar tanto com a morte de famosos, pessoas que não fazem parte da minha vida real. Mas, dessa vez, confesso que fiquei impactada e chorei muito com a morte dele, que embora não faça parte da minha vida real, faz e muito da minha vida "imaginativa".
Quanto me tocou e transformou o filme "Gênio Indomável", quanto me ensinou sobre estar-com aqueles que sofrem e procuram a Psicologia para uma melhor compreensão de si e do mundo. Da mesma forma, me tocou profundamente sua interpretação do homem-robô do filme "O homem bicentenário".
E seu papel de adulto abusador-sofrido no filme "O som do coração". Só ele mesmo para fazer um vilão-ferido com tanta verdade, mostrando que alguém pode ser bom e mau na mesma medida.
Em "Sociedade dos poetas mortos" chorei como criança em cada cena que ele estimulava a liberdade de pensar e ser de seus alunos.
E os médicos exageradamente humanos que ele representou... Em "Tempo de despertar", me emocionei profundamente com a interpretação tão sensível de um médico que acredita no impossível e vê beleza onde os demais não vêem nada. Em "Patch Adams - O amor é contagioso" fiquei encantada com a beleza que permeou sua interpretação, como se ele estivesse contagiado pelo amor do personagem.
Quando soube da sua morte, achei triste mas natural. Ao contrário do que disseram quase todos os jornais, não vi um comediante que disfarçou sua dor enquanto pôde através das risadas, mas sim um melancólico, que transparecia isso em cada um dos seus melhores papéis e que fazia rir no mesmo tanto que fazia chorar, mas que não participava da alegria que disseminava. Como no filme "O Palhaço", ele devia se perguntar quem o faria rir.
As drogas e o álcool só se encaixaram nesse temperamento essencialmente triste. Anestésicos, máscaras ou apenas instrumentos para tornar o mundo menos insuportável e cruel.
Ao contrário do que alguns ignorantes pensam, os usuários de drogas não são pessoas insensíveis, irresponsáveis, desumanas que "se chapam" apenas por curtição. Pelo contrário, uma sensibilidade exacerbada às coisas do mundo, uma vivência sempre à flor da pele e uma percepção acentuada desse mundo levam à busca de entorpecentes, como se as drogas tampassem seus poros sempre tão abertos ou diminuíssem a feiura do mundo.
E não estou falando somente de famosos, artistas e essa gente toda com as quais até os ignorantes se compadecem. Não. Estou falando também daquele craqueiro, por exemplo, que nos esforçamos para ignorar. Aquele que a sociedade paulistana quer tirar do meio do seu caminho para recuperar o centro da cidade, como se o espaço fosse mais importante que as pessoas.
Atualmente, participo de um projeto de pesquisa no qual foram entrevistados craqueiros do Brasil todo, inclusive de Sampa. Já li mais de 60 entrevistas dessas pessoas e cada vez mais tenho certeza de que há muita humanidade ali. Sim, existe também muita coisa ruim, mas isso é comum a todos nós, não é?
Olhamos para os usuários de drogas, principalmente, os que habitam nossas ruas como alguém diferente, a parte, quase de outro mundo. Eles não são como nós. Não?
Relações familiares destruídas, empregos perdidos, falta de dinheiro e de moradia, escolas expulsivas, relações destrutivas. Isso compõe suas histórias, assim como compõe a história de muitos outros humanos, que lidam com sua dores de outras formas: alguns podem pagar uma boa terapia; outros se entopem de drogas prescritas pelos seus caros doutores; outros compram coisas e mais coisas para preencher seus vazios existenciais; outros apenas agem como robôs e seguem suas rotinas sem pensar. Outros usam drogas...
Gente como Robin Williams que não se sentia acompanhado mesmo com tantos ao seu lado; que não se contentava com a fama e o dinheiro e que, certamente, não ignorava o grande absurdo que nosso mundo virou. Miséria, violência, doenças, injustiça social, manipulação da mídia, guerras sem fim, violência contra a criança, corrupção, adolescentes matando nas escolas, o ter superando em muito o ser, a tecnologia afastando os próximos... Difícil mesmo suportar tudo isso de cara limpa...
Existem aqueles que criaram um excelente "mecanismo de defesa": a frieza. Não sentem a dor do outro. Pensam: O que importa se outro passa fome se tenho tanta comida que posso até jogar fora? O que importa a guerra em Gaza se estou aqui protegido no meu castelo tão longe dali? O que importa aquela criança faminta jogada na rua se o meu filho continua lindo e eu posso até exibi-lo no meu círculo de amigos?
Fico pensando quem é o desumano aqui: Os tais zumbis que circulam na cracolândia ou o rico que acha que pode passar por cima de todos que julgar inferiores a ele?
Se as drogas vem ganhando cada vez mais espaço e a depressão tomando conta de cada vez mais pessoas, isso é reflexo dos dias cinzas que vivemos. O mundo gera "drogados" e depressivos.
Quando perdemos um Robin Williams, ou um Fausto Fanti (Hermes e Renato) ou uma Elena (do lindo e impactante filme "Elena") devíamos parar e pensar no que estamos fazendo. Pensar o que temos feito de tão bizarro para que pessoas sensíveis como eles não suportem aqui permanecer. Sim, cada um de nós tem culpa nisso, pelo que somos, pelo que fazemos e pelas situações nas quais nos omitimos.
Então eu, que sou parte desse mundo e não me eximo da minha culpa por ele ser tão feio, peço desculpas ao Robin Williams pela sua morte. Peço desculpas aos seus fãs (me incluindo nesse grupo) por nunca mais vermos seu olhar melancólico nas telas.

                                              "Comfortably Numb - Pink Floyd"