sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Amar e ser só

2020 foi um ano infernal. Para o mundo, para o Brasil (ainda mais) e para a minha vida pessoal. 
Pandemia, crise financeira, desemprego, negacionismo, mortes, distanciamento e solidão. Muita solidão.
Quando iniciei este blog amava a solidão. Não só na minha vida, mas a solidão como tema dos poetas, filósofos, músicos e obras de arte. A solidão parecia tão necessária, inspiradora e cheia de beleza...
Não entendia porque as pessoas a demonizavam tanto, mas queria entender.
Logo nas primeiras postagens, baseadas em relatos de pessoas internadas em hospital psiquiátrico no qual eu estagiava, comecei a entender. Aqueles pacientes descreviam a solidão dolorosa da falta de amor, da saudade da família, da invisibilidade e da institucionalização.A solidão da qual eles falavam não era nada bela.
Depois, alguns filmes e livros foram me apresentando outras perspectivas disso. Fui aprendendo e cada vez entendendo melhor que eu nada sabia sobre a solidão. 
Muitos anos se passaram desde o início deste blog. Muitas vivências, muitos encontros e desencontros, muitos relatos de pessoas em sofrimento, muitos solitários no meu caminho desde então. Isso tudo me fez entender melhor a solidão, não como um tema ou conceito, não de forma racional como eu achei que sabia quando iniciei este blog. Mas como uma experiência, vivida e sentida de dentro. Hoje, entendo melhor a dor da qual falavam os pacientes psiquiátricos do meu estágio.
Nunca, nenhum ano, nenhum momento da minha vida me fez pensar tanto em solidão. 2020 foi e está sendo o ano mais solitário, certamente, para todos. Infelizmente (ou não), para mim.
Experimentei a solidão de viver a COVID sem poder conviver com as pessoas, porque poderia contaminá-las só por estar no mesmo ambiente. Pensei que morreria sozinha, o que tem sido muito comum nesses dias de Coronavírus.Mas entendi que a morte será sempre solitária, não há como compartilhar o morrer.
Vivi a solidão do namoro à distância, o que nunca havia experimentado. Só pelo amor excessivo e recíproco e pela admiração tamanha que sentia/sinto pelo homem amado pude suportar essa sensação de estar junto sem estar; amar sem o toque, o abraço, o cheiro, o afago. Apesar da intimidade estabelecida na cama e nas conversas, o distanciamento físico nos atropelou. A falta de corpo; minha carência de menina precocemente abandonada; a incerteza quanto ao fim da pandemia e a retomada da vida "normal" e alguns medos de ambos levaram ao final do romance, mas não do amor. 
Vivi também a solidão do distanciamento dos amigos, da mãe e do filho. O amor sendo cuidado e proteção muito mais que presença. Querer abraçar as pessoas amadas e não poder é mesmo algo angustiante.
Nessas três experiências, minhas maiores companhias foram dois cachorrinhos, dois vira-latas que adotei para amar e não enlouquecer nesses dias. Como contou um paciente que atendo, o jeito que arrumou para sobreviver UM ano na solitária quando esteve detido, sem enlouquecer, foi interagindo com ratos e baratas que lá apareciam. Claro que os cachorrinhos foram muito melhores nessa função e realmente me salvaram da tristeza profunda e da dor insuportável. Mas, por alguma razão que não entendo, os dois me deixaram.precocemente.
Lita pulou da janela do apartamento. Será que cachorros se suicidam? Será que ela estava sofrendo de solidão? Será que seu amor pelas ruas não permitiu que fosse feliz "domesticada"? Nunca entendi.
Lyon faleceu misteriosamente enquanto eu curtia minhas férias no mar. Parou de comer e brincar na sexta e faleceu no sábado pela manhã. Parece que teve algum problema gastrointestinal. Morreu no colo do meu filho. Não esteve sozinho nunca e partiu junto da pessoa que mais o amou na sua curta vidinha.
Já adotei outro cachorrinho, porque não aguentei o vazio do meu pequeno AP sem latidos, sem bagunça, sem mordidas e sem esse amor incondicional que só um cachorrinho pode nos dar. O cachorrinho novo que chegou ontem foi deixado por seus antigos donos preso, no meio de uma mata, sem comida ou água, para morrer. Este conheceu mesmo a solidão e a maldade humana.Mas ele sobreviveu e está nesse momento lambendo meu pé e pedindo atenção. 
Tenho certeza que nenhuma das minhas dores e solidões foram maiores do que a vivência da miséria e da fome que tem tomado grande parte das pessoas do meu País. Todas as minhas solidões foram vividas de barriga cheia e no conforto do meu AP e não posso negar o quanto sou privilegiada por isso.
Mas, mesmo de barriga cheia, 2020 tem doído demais. A sensação de que "tudo que é sólido desmancha no ar" e a impermanência que tenho vivido nos últimos meses estão me sufocando. Por que tudo tem que acabar? Por que os amores se vão? Por que meus cachorros me deixaram? Por que sou tão instável? Por que meus trabalhos, minhas relações, e até meus sonhos são tão efêmeros? Será que tudo isso acontece para que eu entenda a tal solidão? Será que é para entender que o que preciso já tenho em mim, como diria minha professora de Ioga? Será que é porque existir de forma autêntica leva a essa "instabilidade perpétua"?
Não sei. Só sei que cansei. Cansei de perder amores (humanos e caninos). Cansei de me sentir insatisfeita no trabalho, mesmo exercendo a profissão que escolhi e tanto amo. Cansei de ser deixada. E quero ter direito de ser também a menininha abandonada, porque fui essa e ela ainda está aqui em mim, disfarçada da mulher forte, independente e segura. Boa máscara eu escolhi.
Esses dias estava bem triste e fui desabafar com uma amiga que conheço há milênios. Ela ama estar sozinha e só troca isso pelos seus bichos e suas plantas. Aprendi a respeitar esse seu modo-de-ser e amar e já não me incomodo quando ficamos meses sem nos ver. Sei que ela está e estará sempre lá. Eu me queixava da minha solidão (pra variar) e chorava por ter perdido meu cachorrinho e, no meio de tantas emoções, fui falando que a vida não era justa comigo porque nada durava, eu sempre amava demais mas niguém ficava e eu seguia sozinha. Eu devia ser muito ruim para merecer isso.
Ela respirou e com toda a calma e lucidez de quem se e me conhece tanto me falou: "Será Laura que, justamente, por amar tanto, se entregar tanto e ser tão intensa no trabalho e nos amores; você não precise de tanto tempo nos lugares e com os animais e pessoas para viver o que tem que viver nessas histórias e amar tudo que tem que amar? O que outras pessoas amariam em anos, você ama em meses. O que outros demorariam para tocar, afetar e transformar você consegue em semanas ou dias. Será que você transborda tanto e tanto que mais tempo seria amor demais para os que estao ao seu lado?
Eu chorei. Só chorei.
Nao sei se há algum sentido no que ela disse. Não sei se sou tão especial assim. Mas sei que me reconheço nesse amor intenso, profundo, entregue e vivido que ela descreve. Amo grande. Amo mesmo muito. E se por amar tanto, de uma vez, sem dosar ou economizar, eu acabe sempre sozinha, tudo bem. Não vou amar pequeno. Não vou guardar amor pra mim nesse mundo tão carente dele, tão cheio de ódio, tão desumano.
Vou seguir amando e com sorte, sendo amada também. Nem a vida é para sempre, porque uma história seria?
Em cada história aprenderei algo, viverei algo único e amarei. E tudo isso servirá de companhia quando me sentir solitária demais. Lembranças, sonhos, músicas e livros deixados por esses amores bem vividos seguirão comigo.
Como diria um escritor que me faz companhia, apresentado por um grande amor: "O que brotava em mim e rebrotava: essas demasias do coração"
Ou...
"A culpa minha, maior, era meu costume de curiosidades de coração. isso de estimar os outros, muito ligeiro, defeito esse que me entorpecia. o tanto que, daí depois, essas pessoas andavam em minha desilusão: de repente todos estavam endoidecendo..."
Ou...
"Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura."
 
E assim seguirei: amando grandão. Porque essa sou eu e talvez, só talvez, seja esse meu superpoder ou minha habilidade especial: amar demais. Em contrapartida, serei sempre só...


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