sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

A vida não é um treinamento!

Há um mês fui ao show do Roger Waters pela terceira vez. Amo Pink Floyd desde a adolescência, quando ouvi por acaso uma de suas músicas (Echoes)tocando na vitrola do irmão de uma amiga. Senti na ocasião que aquele som falava de mim, sobre mim, para mim. Como se toda a dor, tristeza e angústia que eu sentia e não sabia explicar, fossem magicamente definidas naquele som, naquela melodia. E assim vem acontecendo desde então... No show, Roger fez várias homenagens ao amigo e parceiro de banda - Syd Barret, que enlouqueceu muito jovem e viveu décadas recluso. Quando Roger cantou "Wish you were here" em homenagem ao amigo que há décadas não estava mais aqui, ele falou sobre perder-se e sobre perder alguém que amamos, pra morte ou não. Então Roger conclui o título do show "A vida não é um treinamento". Chorei muito. Chorei pelo Roger que carrega essa falta, chorei por mim e por tantas faltas que carrego. Chorei porque sempre estou a um passo de me perder, desde sempre. Muito antes de ser psicóloga ou entender qualquer coisa sobre saúde mental já temia a loucura. Não usei drogas porque, intuitivamente, achei que me levariam à loucura. Criei desde cedo um universo paralelo para o qual me transportava nos momentos de angústia insupotável, como Alice e seu louco país ou a menininha de Labirinto do Fauno. Esse mundo à parte me salvou muitas vezes. Desde o sufoco de suportar reuniões familiares que me faziam mal desde muito cedo, até aguentar algumas horas de missa que meus pais me obrigavam a frequentar. Meu mundo particular era tão bom que às vezes me desligava propositalmente do mundo real. Acho que por isso sempre entendi tão bem as psicoses, pois viver integralmente mergulhado nesse mundo que estamos deve ser insuportável. Mas a loucura nunca me pegou. Sempre controlei minhas entradas e saídas no meu mundo da imaginação e sempre voltava. Em compensação, passei a vida entrando no universo da depressão sem querer ou controlar. Desde muito nova era engolida por essa tristeza sem motivo, essa desesperança, um vazio e falta de sentido constantes e um pensamento de que a morte não seria tão ruim assim. Lembro-me que durante a catequese imposta pelos meus pais tive que fazer a primeira confissão para a primeira comunhão. Durante dias pensei o que diria, porque não me achava pecadora, não fazia nada de errado na minha concepção. Tentei ensaiar, mas não vinha nenhuma ideia. Fui ao confessionário, sem ver o padre e espontaneamente falei: "Acho que meu pecado é viver triste, porque tenho tudo e sou infeliz". A prescrição foi ave-marias e pai-nossos. Eu tinha 10 anos e já era deprimida. Demorei mais de 30 anos para ser diagnosticada e medicada. Hoje meu diagnóstico é distimia: um tipo de depressão crônica incapacitante, que tem com característica a irritabilidade e mau humor, além de outros sintomas. Essa sou eu. Ao longo da vida, fui muitas vezes chamada de pessoa difícil, menininha irritada, mal humorada, aquela que tudo chora, criatura sensível demais... Cresci me achando tudo isso e ainda ingrata, insatisfeita sem razão, desagradável. Quanto mais me sentia triste, mais era julgada e mais me sentia triste. Aprendi a disfarçar. Como era bonita, com grandes olhos verdes, fui fazendo da aparência agradável uma boa máscara para a personalidade desagradável. E as pessoas caíam... Fui achando sozinha formas de suportar a vida, de não me perder de vez. Namorava muito, curtia a praia, ouvia Pink Floyd... Sobrevivia mais um dia e outro e outro. Mas sempre e desde sempre tinha uma ideia de que a morte era melhor do que tudo isso. Enquanto na infância minhas primas sonhavam em ser mães e esposas, eu queria achar uma forma de fugir. Na adolescência, essa fuga foi ganhando corpo e decidi que aos 18 anos sairia pelo mundo viajando sozinha. Imaginava que seria uma passeio curto e intenso, que me levaria ao fim. E ao alívio. Mas, como nunca andei só e proteção ancestral, divina e espiritual nunca me faltou, aos 18 anos engravidei. E a viagem que seria rumo ao mundo e à morte, foi para outro Universo chamado maternidade. Pela primeira vez eu sentia vontade de viver e a vida fazia alguma sentido para além do meu mundo imaginário e das minhas fugas. A maternidade nunca foi um sonho, um plano. Mas justo ela foi a salvação. Olhar meu filho, sentir seu cheirinho, amamentá-lo, ver seus primeiros passos, ouvir mamãe, dizer eu te amo de uma forma que eu nunca tinha conseguido me fez viver. Acho que nasci mesmo nesse dia - 12/11/1995. Mas... salvação não é cura e depressão não tem cura. Sou mãe há 28 anos e amo muito tudo isso. Mas sou depressiva há 47 e já entendi que serei assim para sempre. Sigo achando formas e motivos para não me perder na dor. Guimarães Rosa diz "Felicidade se acha é em horinhas de descuido". Embora eu ame o Sr Rosa e ler "Grande Sertão: Veredas" foi uma das maiores felicidades da minha vida, eu discordo. Para um deprimido, achar horinhas de felicidade exije um empenho, foco e até esforço. Na distração, só a infelicidade e desesperança tem vez. Eu passo a vida tentando achar essas pequenas coisas que me salvam: um bom show de rock, músicas do Pink Floyd e do Racionais, sentir o cheiro do meu filho já adulto e olhar seus olhos que sorriem. Entrar no mar, sentir o Sol. Ler Clarice e Ryane Leão. Assistir Na Natureza Selvagem. Há alguns anos achei uma dessas coisas que me impedem de desistir: a macumba. Descobri o terreiro, o batuque, Exu e tantas outras belezuras que existem na Umbanda. Em cada atendimento com Exu Tiriri, Caboclo ou Pretos Velhos eu um resgato um tiquinho da minha saúde mental. Quanto ouço o batuque e canto bem alto "é Laroye, é Laroye. É Mojubá, é mojubá" tenho vontade de viver. Na última consulta com a Vovó Maria Conga chorei tanto, acho que as lágrimas que engoli a vida toda vieram abaixo ali. Ela me abraçou, rezou e me fez sorrir. Saravá às almas!!! Mas a depressão/ distimia é igual carrapato, grudenta. Você toma remédios, ela solta, mas logo o efeito passa e ela volta de novo e de novo e de novo. Há 1 ano e meio sofri uma queda, fratura exposta, muita dor, cirurgia e uma limitação física eterna. Tornei-me em seguida PCD. Minhas amigas mais próximas, que também me salvam de novo e de novo, preocuparam-se como eu lidaria com essa nova condição. Na hora em que ganhei oficialmente este carimbo confesso que pensei mais nas coisas concretas: habilitação, carro com desconto, carteirinha PCD, etc. Hoje, entendo melhor a limitação. Já não consigo caminhar muito (concreta e simbolicamente), sinto dores constantes e às vezes tenho crises (como nessa semana) e tenho medo de tornar-me dependente. A independência é uma das minhas maiores paixões. Nessa última crise de dor, senti de novo vontade de perder-me. Nenhum remédio parecia melhorar aquilo, eu não conseguia me locomover e coisas básicas como respirar ou urinar pareciam fatais. Já ouvi muitas adolescentes relatando que se mutilavam porque a dor física minimizava a dor emocional. Não sei como. Minhas dores físicas me deixam ainda mais deprimida. As limitações que elas causam aumentam a minha constante desesperança. Nos últimos tempos a ideia de morte tem aparecido muito. Converso com ela, a acolho e mando embora. Digo que, embora viver seja, na maior parte do tempo um sacrifício, preciso fazê-lo pelo meu filho, que não daria conta de me perder assim. Sim, por ele e somente por ele sigo aqui. Talvez pelos meus dois cachorrinhos também. Não acho que o suicídio seja um ato egoísta. Só quem sente esta dor sabe o quanto é difícil viver. Também não acredito que Deus, os orixás e todas as forças espirituais punam quem tira a própria vida. Eles e só eles sabem o quanto de dor uma pessoa aguentou antes de chegar nesse ponto, então ela já foi punida em vida. Mas não vou morrer porque esse é meu maior ato de amor como mãe: seguir aqui. Uma amiga que amo muito e que, como filha de Iansã: forte, brava, amorosa e guerreira não desiste nunca de mim; outro dia me perguntou se eu pensava em suicídio. Achei muito corajosa. Ela trabalha na saúde mental e sabe que esse tema tem que ser abordado como qualquer outro. Achei um lindo gesto de amor, entre tantos que ela já me fez. Falei abertamente que sim, mas que não o farei. Não, não sinto culpa por pensar nisso. Não sinto mais que é pecado ser infeliz mesmo tendo tanto (e sei que tenho). Agradeço profundamente pelo que tenho e reconheço o quanto sou protegida e tenho "sorte". Mas também não tenho culpa de ter depressão. Assim como não tenho de ser hipertensa ou manca. Apesar de ser psicóloga, uma excelente psicóloga aliás, que entende de dentro as dores das pessoas sem julgá-las; nunca tentei justificar minha depressão. Não importa se ela veio porque fui abandona com 12 dias, ou porque minha mãe adotiva nunca conseguiu lidar com o fato de eu não ser o que ela idealizou. Não importa se vivi em uma família que sempre me julgou ou se sempre fui estrangeira nos lugares que estive. Fui bem amada, pelo meu pai principalmente, tive ótimas pessoas ao meu lado, estudei e tenho a profissão que sonhei. Fui muito amada por alguns homens e amei também. Tenho boas histórias para contar. Há alguns anos conheci minha mãe biológica e entendi rapidamente a carga genética da minha depressão. Ela é a pessoa mais amarga que já conheci. Em meia hora de conversa vi nela a minha distimia e soube que as doenças mentais eram comuns na sua família, sendo que sua mãe era "doida de pedra". Nessa fase de tantas dores de todos os tipos decidi entorpecer-me um pouco mais. Faço uso de prozac ou zoloft há muitos anos. Odeio sentir-me "Comfortably numb". Odeio a sensação de oco. Odeio não conseguir chorar e nem sorrir sem algum esforço. Odeio não ter libido nenhuma e viver por isso há tantos anos sem desejo e sexo. Odeio a dor de cabeça que sinto quando paro de usar estas drogas. Odeio muito! Mas odeio ainda mais chorar o tempo todo, ficar irritada com as mínimas coisas, sentir tudo o tempo todo e pensar em morte todos os dias. Seguirei entorpecida. Até porque viver nesse mundo de guerras, bolsonaros, capitalismo selvagem, imagem acima de tudo e tantas outras bizarrices, não está nada fácil. E não consigo mais viajar para o meu mundo particular. Alice saiu da toca do coelho e nunca mais voltou. Deram a ela Prozac. Por hoje, vou seguir buscando minhas pequenas salvações do dia a dia. Meus abrigos imunológicos ou esferas de proteção, como diria o lindo Peter Sloterdijk, que tem sido um companheiro importante através do seu livro "Esferas I". Seguirei agradecendo aos meus abrigos imunológicos: meu filho Igor por existir e pelo seu cheirinho, minha amiga Juliana de Iansã e seu amor infinito, o casal Ed e Van que seguram minhas mãos sempre, aos meus cachorrinhos Rock e Raul que me enchem de amor gratuito, ao Roger Waters por compor e cantar, a Exu Tiriri e Vovó Maria Conga e ao meu pai que me deu amor suficiente para que eu tivesse estoque para lidar com os dias de ausência. E assim vou seguindo e dizendo pra mim mesma: Laura "Brilhe, seu diamante louco".

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Amar e ser só

2020 foi um ano infernal. Para o mundo, para o Brasil (ainda mais) e para a minha vida pessoal. 
Pandemia, crise financeira, desemprego, negacionismo, mortes, distanciamento e solidão. Muita solidão.
Quando iniciei este blog amava a solidão. Não só na minha vida, mas a solidão como tema dos poetas, filósofos, músicos e obras de arte. A solidão parecia tão necessária, inspiradora e cheia de beleza...
Não entendia porque as pessoas a demonizavam tanto, mas queria entender.
Logo nas primeiras postagens, baseadas em relatos de pessoas internadas em hospital psiquiátrico no qual eu estagiava, comecei a entender. Aqueles pacientes descreviam a solidão dolorosa da falta de amor, da saudade da família, da invisibilidade e da institucionalização.A solidão da qual eles falavam não era nada bela.
Depois, alguns filmes e livros foram me apresentando outras perspectivas disso. Fui aprendendo e cada vez entendendo melhor que eu nada sabia sobre a solidão. 
Muitos anos se passaram desde o início deste blog. Muitas vivências, muitos encontros e desencontros, muitos relatos de pessoas em sofrimento, muitos solitários no meu caminho desde então. Isso tudo me fez entender melhor a solidão, não como um tema ou conceito, não de forma racional como eu achei que sabia quando iniciei este blog. Mas como uma experiência, vivida e sentida de dentro. Hoje, entendo melhor a dor da qual falavam os pacientes psiquiátricos do meu estágio.
Nunca, nenhum ano, nenhum momento da minha vida me fez pensar tanto em solidão. 2020 foi e está sendo o ano mais solitário, certamente, para todos. Infelizmente (ou não), para mim.
Experimentei a solidão de viver a COVID sem poder conviver com as pessoas, porque poderia contaminá-las só por estar no mesmo ambiente. Pensei que morreria sozinha, o que tem sido muito comum nesses dias de Coronavírus.Mas entendi que a morte será sempre solitária, não há como compartilhar o morrer.
Vivi a solidão do namoro à distância, o que nunca havia experimentado. Só pelo amor excessivo e recíproco e pela admiração tamanha que sentia/sinto pelo homem amado pude suportar essa sensação de estar junto sem estar; amar sem o toque, o abraço, o cheiro, o afago. Apesar da intimidade estabelecida na cama e nas conversas, o distanciamento físico nos atropelou. A falta de corpo; minha carência de menina precocemente abandonada; a incerteza quanto ao fim da pandemia e a retomada da vida "normal" e alguns medos de ambos levaram ao final do romance, mas não do amor. 
Vivi também a solidão do distanciamento dos amigos, da mãe e do filho. O amor sendo cuidado e proteção muito mais que presença. Querer abraçar as pessoas amadas e não poder é mesmo algo angustiante.
Nessas três experiências, minhas maiores companhias foram dois cachorrinhos, dois vira-latas que adotei para amar e não enlouquecer nesses dias. Como contou um paciente que atendo, o jeito que arrumou para sobreviver UM ano na solitária quando esteve detido, sem enlouquecer, foi interagindo com ratos e baratas que lá apareciam. Claro que os cachorrinhos foram muito melhores nessa função e realmente me salvaram da tristeza profunda e da dor insuportável. Mas, por alguma razão que não entendo, os dois me deixaram.precocemente.
Lita pulou da janela do apartamento. Será que cachorros se suicidam? Será que ela estava sofrendo de solidão? Será que seu amor pelas ruas não permitiu que fosse feliz "domesticada"? Nunca entendi.
Lyon faleceu misteriosamente enquanto eu curtia minhas férias no mar. Parou de comer e brincar na sexta e faleceu no sábado pela manhã. Parece que teve algum problema gastrointestinal. Morreu no colo do meu filho. Não esteve sozinho nunca e partiu junto da pessoa que mais o amou na sua curta vidinha.
Já adotei outro cachorrinho, porque não aguentei o vazio do meu pequeno AP sem latidos, sem bagunça, sem mordidas e sem esse amor incondicional que só um cachorrinho pode nos dar. O cachorrinho novo que chegou ontem foi deixado por seus antigos donos preso, no meio de uma mata, sem comida ou água, para morrer. Este conheceu mesmo a solidão e a maldade humana.Mas ele sobreviveu e está nesse momento lambendo meu pé e pedindo atenção. 
Tenho certeza que nenhuma das minhas dores e solidões foram maiores do que a vivência da miséria e da fome que tem tomado grande parte das pessoas do meu País. Todas as minhas solidões foram vividas de barriga cheia e no conforto do meu AP e não posso negar o quanto sou privilegiada por isso.
Mas, mesmo de barriga cheia, 2020 tem doído demais. A sensação de que "tudo que é sólido desmancha no ar" e a impermanência que tenho vivido nos últimos meses estão me sufocando. Por que tudo tem que acabar? Por que os amores se vão? Por que meus cachorros me deixaram? Por que sou tão instável? Por que meus trabalhos, minhas relações, e até meus sonhos são tão efêmeros? Será que tudo isso acontece para que eu entenda a tal solidão? Será que é para entender que o que preciso já tenho em mim, como diria minha professora de Ioga? Será que é porque existir de forma autêntica leva a essa "instabilidade perpétua"?
Não sei. Só sei que cansei. Cansei de perder amores (humanos e caninos). Cansei de me sentir insatisfeita no trabalho, mesmo exercendo a profissão que escolhi e tanto amo. Cansei de ser deixada. E quero ter direito de ser também a menininha abandonada, porque fui essa e ela ainda está aqui em mim, disfarçada da mulher forte, independente e segura. Boa máscara eu escolhi.
Esses dias estava bem triste e fui desabafar com uma amiga que conheço há milênios. Ela ama estar sozinha e só troca isso pelos seus bichos e suas plantas. Aprendi a respeitar esse seu modo-de-ser e amar e já não me incomodo quando ficamos meses sem nos ver. Sei que ela está e estará sempre lá. Eu me queixava da minha solidão (pra variar) e chorava por ter perdido meu cachorrinho e, no meio de tantas emoções, fui falando que a vida não era justa comigo porque nada durava, eu sempre amava demais mas niguém ficava e eu seguia sozinha. Eu devia ser muito ruim para merecer isso.
Ela respirou e com toda a calma e lucidez de quem se e me conhece tanto me falou: "Será Laura que, justamente, por amar tanto, se entregar tanto e ser tão intensa no trabalho e nos amores; você não precise de tanto tempo nos lugares e com os animais e pessoas para viver o que tem que viver nessas histórias e amar tudo que tem que amar? O que outras pessoas amariam em anos, você ama em meses. O que outros demorariam para tocar, afetar e transformar você consegue em semanas ou dias. Será que você transborda tanto e tanto que mais tempo seria amor demais para os que estao ao seu lado?
Eu chorei. Só chorei.
Nao sei se há algum sentido no que ela disse. Não sei se sou tão especial assim. Mas sei que me reconheço nesse amor intenso, profundo, entregue e vivido que ela descreve. Amo grande. Amo mesmo muito. E se por amar tanto, de uma vez, sem dosar ou economizar, eu acabe sempre sozinha, tudo bem. Não vou amar pequeno. Não vou guardar amor pra mim nesse mundo tão carente dele, tão cheio de ódio, tão desumano.
Vou seguir amando e com sorte, sendo amada também. Nem a vida é para sempre, porque uma história seria?
Em cada história aprenderei algo, viverei algo único e amarei. E tudo isso servirá de companhia quando me sentir solitária demais. Lembranças, sonhos, músicas e livros deixados por esses amores bem vividos seguirão comigo.
Como diria um escritor que me faz companhia, apresentado por um grande amor: "O que brotava em mim e rebrotava: essas demasias do coração"
Ou...
"A culpa minha, maior, era meu costume de curiosidades de coração. isso de estimar os outros, muito ligeiro, defeito esse que me entorpecia. o tanto que, daí depois, essas pessoas andavam em minha desilusão: de repente todos estavam endoidecendo..."
Ou...
"Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura."
 
E assim seguirei: amando grandão. Porque essa sou eu e talvez, só talvez, seja esse meu superpoder ou minha habilidade especial: amar demais. Em contrapartida, serei sempre só...


sábado, 29 de junho de 2019

Na natureza selvagem

                                                                               "Em vez de amor, dinheiro, fé,  fama, equidade, 
                                                                                                           me dê a verdade” (Thoreau)

E por que será tão difícil isso? Por que a verdade é coisa tão rara na sociedade atual? Por que as pessoas preferem amor, dinheiro, poder à verdade? Por que se sentem mais confortáveis mentindo? Por que a sinceridade e autenticidade são tão mal recebidas nesse mundo? Por que desde pequenos aprendemos que dizer a verdade demais pode magoar as pessoas? Por que existem tantas máscaras que precisamos vestir? Por que precisamos simular identidades e calar autenticidades para sermos aceitos?
Vivemos iludidos, enganados e nem sempre percebemos. Parece que a ilusão nos conforta e afasta da angústia, da solidão, do sofrimento, coisas tão temidas no mundo atual.
Mas e quando a verdade escapa e insiste em saltar aos olhos, como se uma venda fosse retirada e toda a luz entrasse de uma vez? Será que damos conta?
No filme "À primeira vista", o personagem principal - Virgil (o lindo Val Kilmer) ficou cego aos três anos e volta a enxergar após uma cirurgia. Vemos a dor física e emocional que ele sente ao começar a ver o mundo. Tudo o incomoda e o que antes fazia todo sentido não faz mais. A forma como percebia o mundo e as pessoas muda e ele chega a dizer que não as reconhece mais quando começa a vê-las. O mundo parece feio, as pessoas exageradas, as relações falsas. 
Ou seja, ele vê o mundo exatamente como ele é... A ignorância (e nesse caso a cegueira) pode ser uma benção.
Da mesma forma, nos sentimos quando uma verdade vem à tona, principalmente, quando essa verdade diz respeito à nossa história, à nossa origem e foi guardada por toda uma vida. É como se retirassem a venda dos nossos olhos e a luz entrasse com tanta força que machucasse as camadas mais profundas do nosso ser.
Será que era melhor continuar acreditando na mentira? Será que iludidos estávamos mais felizes? 
Essa escolha lembra aquela cena do filme "Matrix", na qual Morpheus oferece as pílulas vermelha e azul para que Neo - o Escolhido, para que ele escolha entre um mundo real e verdadeiro (e feio) ou um mundo de ilusão no qual já está. Ele escolhe o mundo real e sofre as consequências disso, desde as mais graves como ser perseguido por todos, até as mais sutis como ingerir uma "papa" sem sabor no lugar dos deliciosos (e ilusórios) pratos do mundo "de mentira". 
De novo, a impressão é de que a ignorância é uma benção. Será?
A verdade é que depois de começarmos a enxergar, depois de escolhermos a pílula vermelha, depois que a verdade aparece, não dá mais para voltar. Tudo fica assustadoramente claro, escancarado e explícito. 



Ah... a melancolia...

Dizem que o Sol nasceu para todos, mas que diferença isso faz para aqueles que não sentem ou se incomodam com o seu calor?
Dizem que ser feliz é uma questão de escolha. Mas o que há com aqueles que a escolhem, mas não são por ela escolhidos?
Dizem que todo dia é uma nova oportunidade. Mas o que fazer com dias e anos que parecem iguais, repetidos?
Ando estudando a depressão, ou melhor, as depressões e suas diferentes nuances.
Estudar a tristeza parece algo triste demais. E é...
Escolhi a saúde mental, dentre tantas possibilidades na Psicologia, por causa de um ex que sofria de depressão, daquelas intensas, cheias de dor, que parecem eternas. Queria entender como alguém podiam sofrer tanto, tanto que podia até contaminar outras pessoas com seu sofrimento.
Queria entender porque viver às vezes é insuportável.
Nem a Graduação, nem a Pós, nem meus anos de trabalho na saúde mental me trouxeram muitas respostas.
Agora começo a des-cobrí-la...
Não através dos livros ou teorias, embora a literatura sempre tenha me levado mais perto delas. Não através de palestras ou aulas. Não pelos pacientes que atendo.
Des-cubro da única forma genuína: sentindo...
Sim, a vida pode mesmo ser insuportável. Sim, dor emocional pode travar o corpo, como se virasse uma pedra gigante e impedisse qualquer movimento corporal.
Quando assisti ao filme "Melancolia" de Lars Von Trier, me emocionei profundamente e empatizei com a dor da personagem de Kirsten Dunst .Parecia tão óbvio pra mim o alívio que ela sentia com a aproximação do planeta Melancolia, que eu não entendia o que as pessoas tanto criticavam e questionavam sobre isso.
É possível sentir-se aliviado com o fim do mundo, quando o fim do próprio mundo já aconteceu.
Mas se ela queria tanto isso, por que não acabou com seu mundo individual? Porque não realizou logo o suicídio?
Porque isso exige coragem e até uma certa fé. Uma música do Engenheiros do Hawai diz que "todo suicida acredita na vida depois da morte".
Tenho minhas dúvidas...
De qualquer forma, o suicídio exige uma dose de egoísmo para não pensar nos sentimentos e culpas dos que ficarão. Ou talvez uma super dose de desespero, que impeça que essa preocupação apareça.
Enfim.... alguns, simplesmente, não vão se suicidar...
Mas, talvez, sonhem com o dia em que o mundo acabe ou sua própria vida, naturalmente.
Li outro dia uma reportagem que falava da "bela" história de um músico que pretendia suicidar-se, mas foi "milagrosamente" salvo por um familiar. Terá sido esse um ato de amor? Obrigar alguém a viver mesmo sem desejar, mesmo sem qualquer sentido, será correto?

https://www.youtube.com/watch?v=Ty80gJfKDlE


segunda-feira, 20 de abril de 2015

Aborto tardio...

Não, não é aquele aborto que as mulheres que não desejam ser mães fazem depois do período indicado pelos médicos. Não é o ato desesperado de alguém que sabe que não será capaz de amar aquele ser que carrega.
Aborto tardio ocorre quando alguém que deveria mas não foi abortado durante a gestação, decide abortar-se tardiamente.
Quando uma mulher traz ao mundo uma criança que não desejava, concebida sem amor, causadora de muitas dores, ela dá vida a alguém desde sempre morto.
Mas, quem sabe, por uma bondade divina, esse ser nascido morto, encontre pelo caminho razões para nascer. Quem sabe, ele seja acolhido por uma família que lhe dê tanto amor que compense a sua morte existencial prematura.
Quem sabe alguém deseje sua chegada como aquela mãe que o gestou não pôde ou não conseguiu.
E se, infelizmente, sendo o mundo real tão cruel, essa criatura só conseguir encontrar desamor?
E se a família que a acolher se frustar com o produto, diferente do sonhado e cuidadosamente encomendado?
E se a mãe adotiva for tão incapaz de ser mãe quanto a biológica? E se ela, desejando apenas o título e status que a maternidade lhe trouxe, não conseguir aceitar nunca aquela criatura estranha e tão não-sua que acompanha o título?
E se o não pertencimento aquela família, aquele lugar, aquelas pessoas, aqueles sonhos, aqueles padrões forem constantemente explicitados a ela, das formas mais sutis e perversas possíveis?
E se essa criatura tão mal-vinda ao mundo sentir-se fora dele sempre? E se o incômodo pela sua infeliz chegada perpassar todas suas relações e toda sua vida?
E se essa criatura órfã se tornar mãe e não conseguir sê-lo como deveria? Se o seu filho também não conseguir vê-la como é e olhar somente o que sobrou da não desejada, não acolhida e morta desde sempre?
E se ela passar a vida se debatendo e rebatendo esses tantos golpes que levou, até o momento que cansar e desistir?
E se ela resolver fazer o que sua mãe biológica não teve coragem, abortá-la?
Um aborto de alguém que nasceu, mas nunca viveu. Um aborto que alguém faz consigo próprio.
Não, não é suicídio. Para matar-se a pessoa precisa estar viva. Quem sempre esteve morto ou quem nunca nasceu, só pode abortar-se. Isso é aborto tardio.
Tardio porque cada dia dessa existência é uma eternidade. Tardio porque ser morto fingindo-se de vivo é algo que desgasta muito. 
Mas abortar não é um ato de covardia, como dizem. Exige muita coragem matar um pedaço seu.
Tanta coragem que talvez essa criatura ainda não tenha. Talvez seu excesso de culpas e responsabilidades até com aqueles que não a amam, impeçam que faça por si o que gostaria e a obrigue a continuar aqui, nessa eternidade sem fim...



quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Amor incondicional

O filme "A.I. Inteligência Artificial" fala de um mundo futuro, no qual robôs (Mecas) são criados para exercer atividades humanas e desempenhar atividades profissionais como babá, empregados domésticos e amantes profissionais. 
Um cientista ambicioso deseja aprimorar suas "criações", ampliando seus sentidos e emoções. Seu novo desfaio é fazê-los amar. Uma de suas assistentes então questiona: "Podemos fazer um robô amar um humano, mas será que os humanos conseguirão amá-lo?"
No filme, a resposta se mostra negativa. Na vida real, acho que não seria diferente.
O cientista cria um robô criança, com a aparência de seu filho morto e o entrega a uma família que tem um filho em coma. O menino-robô pensa ser só um menino.
A mãe que o ganha de presente do marido não o aceita de início, pois não quer um substituto para seu filhinho amado. Mas...acaba aceitando o presente.
Devagar, o menino-robô vai conquistando-a com sua doçura.
Mas... o filho real retorna e sente tudo aquilo que faz parte do repertório humano: ciúmes, inveja, raiva e começa a estimular o irmão-robô a ter comportamentos inadequados sem saber. O robô não foi programado para lidar com a maldade humana.
Diante destes comportamentos, os "pais" decidem levá-lo de volta à fábrica onde foi feito para ser desmontado. Ou seja, decidem jogá-lo fora. 
E, em meio a tantas aventuras e maldades pelas quais é obrigado a passar, o menino-robô segue dizendo que só quer encontrar a fada azul (da história do Pinóquio) para transformar-se em um menino real e, assim, ser amado por sua mãe. Ele também não foi programado para reconhecer a impossibilidade de amar de alguns humanos.
Filme lindo, com um final emocionante e muitas reflexões possíveis. Mas, para mim, o amor (ou a falta dele) mostra-se o ponto central.
É possível pensar que a rejeição à ele e falta de amor são justificadas por ser ele apenas uma máquina. Na vida real, com humanos reais, isso jamais aconteceria, não é? Não.
Infelizmente, humanos reais também sofrem de falta de amor. Mães reais, com filhos humanos, também são capazes de não amá-los, só não podem jogá-los fora (talvez fosse até melhor).
Recentemente uma pessoa me perguntou o que é esse amor condicional do qual falo, se é só beijar e abraçar mais. O que responder quando essa pergunta parte da única pessoa da minha vida que devia saber a resposta, desde sempre, naturalmente.
Talvez, como mostra o filme, seja difícil amar alguém encomendado, alguém que não veio de si, que não acumula pedaços daqueles que deviam amá-lo. Talvez o amor incondicional seja algo orgânico, que nasce junto com uma gestação. Será?
Achei no Google uma boa definição para a palavra incondicional: 
"Que não se sujeita (limita); que não está suscetível às condições ou circunstâncias externas; que não pode ser restringido ou limitado; irrestrito. 
Que se deve realizar (de modo obrigatório) em quaisquer situações ou circunstâncias: realização incondicional da tarefa."
Então, amor incondicional pode ser pensado como o amor que não se limita, não pode ser restringido ou restrito, que deve se realizar.
Simples não é?
Para mim soa como pleonasmo, já que amar envolve tudo isso, não é?
Talvez o amor romântico não seja assim, é verdade. Esse está sempre susceptível às tempestades da vida. 
Mas e o amor maternal, será que deve, obrigatoriamente, ser assim? 
Como mãe digo, sem pensar, que sim. Como filha, não sei responder.
No filme, o amor do menino-robô por sua mãe é tão incondicional que parece até ingênuo, bobo. Ao longo do filme, vamos pensando que ele precisa acordar e entender que não será amado nunca e ponto. Mas ele insiste em acreditar, em sonhar, em esperar.
No mundo real, onde cada dia vemos mais crianças abandonadas, violentadas, sendo usadas de todas as formas e sofrendo de todo tipo de falta de amor; fico pensando se haverá alguma fada azul para ajudá-las. Fico pensando até quando crianças (e adultos) serão privados de amor, esse algo tão simples, que deveria existir de monte, que não se gasta, que não tem valor, que todo mundo nasce com a capacidade de oferecê-lo. Ou não... 
Quanto à questão do amor incondicional, ainda não sei responder. Para mim, ele é algo tão natural que não pode ser explicado. Ele simplesmente é.
Mas, para tentar descrevê-lo, segue um trecho de uma mulher, escritora e mãe, que entre tantas belezas diz que tinha uma "ferida precoce de falta de amor" e sobre um de seus filhos: "Vou amá-lo - tal como ele for: não por sua beleza, nem por seu talento, nem por sua semelhança - pelo fato de ele existir" (Marina Tsvetáieva - Vivendo sob o fogo)


"Agora eu sei e digo a todos: não preciso de amor, preciso de compreensão. Isso, para mim, é o amor. Aquilo que chamam de amor (sacrifícios, fidelidade, ciúme) pode ficar para os outros, para uma outra - eu não preciso disso. Eu só posso amar um ser que, num dia de primavera, irá me preterir por uma bétula. esta é minha fórmula."



segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Passando a tempestade...

Agora é hora de voltar à vida real... Passando a tempestade das eleições, hora de olhar para o meu "infinito particular".
Mais calmo do que o mundo aí fora está? Nunca... a vida insiste em ser vendaval e eu insisto em não buscar calmarias falsas.
Mais uma mudança pela frente. Uma mudança de espaço, de moradia e lugar de pertença. Mudança essa difícil, mas necessária diante dos fatos. Mudança que vem como resposta e libertação.
O que são imóveis, carros, bens materiais? A lógica diz: investimentos, claro. Garantias para um futuro tranquilo. Óbvio, não é?
Para alguém muito próxima, diriam alguns: a mais próxima de todos; essas são grandes verdades, defendidas com unhas e dentes.
Mas eu não sou muito fã do óbvio e essas verdades pautadas pela lógica nunca fizeram muito a minha cabeça.
Um imóvel pode ser um investimento, mas pode também ser utilizado para ajudar alguém que, temporariamente, dele precisaria. Pode ser fonte de lucros ou pode gerar um gesto de afeto.
O ser e o ter e sua velha batalha. O capital e os afetos e sua polarizada relação.
O dinheiro traz felicidade? Ao longo da vida, tenho visto ele trazer somente ambição, discórdia e afastamentos.
Não, não sou hippie...infelizmente. Gosto de conforto, boa comida e até de fazer umas comprinhas, de vez em quando.
Mas, não, não acho que "as coisas que possuo devem me possuir" (Clube da luta), nem acho que preciso ter mais do que preciso.
Mas, nem todos pensam assim... Cresci dentro de uma família que nunca pensou assim. Fui desencaixada toda uma vida por não pensar assim.
"Menininha pouco ambiciosa", "Não vai chegar a lugar algum", "Nossa! Mas ela precisa andar tanto com pobres desse jeito". Frases essas que sempre ouvi. Mas, por alguma razão obscura, nunca penetraram em mim. Não me convenceram...
E quando ouvia: "Mas tudo que estamos construindo é para você e você não dá valor" e respondia: "Preferia receber gestos de afeto e amor, porque isso que vai ficar na minha vida, só isso vai se manter". Aí era a menina ingrata, aquela que não reconhece o esforço daqueles que tudo fazem por ela.. menos amá-la incondicionalmente. Mas quem é que precisa disso?
Muitos anos se passaram, muita incompreensão. Mas o passado precisa passar, não é? Mas como ele passa se ele se repete mais e mais a cada dia? Como uma história é atualizada se ela cisma em se repetir?
Às vezes, uma criança diferente, polêmica, com valores que ninguém sabe de onde saíram vai parar no lugar errado. Se ela já não nasceu ali, talvez isso indicasse alguma coisa.
E aí não dá mesmo para encaixar o colorido na tela que só reproduz branco e preto. Não dá para encaixar o mar onde cabe somente areia. 
Mas esse é só um desabafo, entre tantos. Mais pessoal talvez, mais "escancarado". Para nada, como tudo nesse blog. Palavras ao vento...
Mas esse texto, em especial, talvez seja o início de um sonho. O sonho de escrever um pequeno livro. Um livro que devia ser de Psicologia, mas que hoje desejo e preciso que seja sobre minha história.
Não sei se vou conseguir, não sei se alguém vai perder tempo lendo. Não sei se vai me ajudar ou somente me expor. Não sei de nada e é isso que me atrai.
Vou seguindo com minhas palavras soltas, porque essas ninguém tira de mim.