quinta-feira, 31 de março de 2011

Solidão ou doença de amor?

É incrível como a solidão sempre cruza meu caminho. Não sou eu que busco histórias sobre este tema, são elas que me atravessam...
Elas surgem em filmes; músicas; nos transportes públicos; em parques; academia de ginástica; locais de trabalho e em tantos outros lugares por onde passo.
Incrível como encontro pessoas solitárias nos mais inesperados locais...
Mas, o último encontro foi, certamente, o mais marcante e revelador. O último solitário com quem me deparei foi de longe o que mais me inquietou.
Francisco é o nome dele. Quarenta e três anos, internado há alguns meses em uma Clínica Psiquiátrica. Diagnóstico (não que isso tenha alguma importância): Depressão.
Diante de um grupo de alunos de Pós-graduação, Francisco narrou sua história de vida marcada por solidão; amores desfeitos; drogas e internações.
Que biografia!
Um menino tímido, feio e extremamente solitário até os vinte e nove anos de idade. Assim ele se descreveu.
Não construíra relações; não pertencera a grupos; não tivera nenhum contato humano relevante até então.
Aí ... conheceu uma mulher, uma garota de programa que lhe apresentou o amor; o prazer e as delícias do contato humano. Pela primeira vez, Francisco pertencia a algo, a alguém.
Mas ... junto com as delícias de estar-com-outro, vieram também as mazelas desta condição.
A mesma mulher que lhe apresentou o amor trouxe também a experiência das drogas.
Francisco, que não tinha nada, agora tinha demais e não aguentou.
Sua primeira internação psiquiátrica aconteceu. O fim do amor, também...
Ele se recuperou, largou as drogas e voltou a ser só.
Dez anos depois, Francisco encontra outra mulher. Outro grande amor, outro lugar de pertencimento e acolhimento. Outra história de dor.
Francisco agora amava uma mulher com "problemas mentais". Ele também não aguentou. Mais uma vez, o uso de drogas; uma nova internação e o fim da história de amor.
Depressão? Doença de amor? Solidão? Que nome dar a isso tudo? Será que é preciso dar um nome a tamanha dor? Vai continuar doendo no Francisco mesmo assim...
Ele faz uma única pergunta ao grupo que o ouvia, grupo este formado por psicólogos; médicos; enfermeiros e essa gente toda cheia de diplomas e boa vontade: " Vocês sabem me dizer por que eu amei essas mulheres erradas?". Silêncio....
Nenhum doutor conseguiu falar sobre amor...
Se ele tivesse perguntado qual era seu diagnóstico...
Se ele tivesse perguntado qual a explicação para sua "doença mental"...
Se ele tivesse perguntado até que remédios tomar. Mas ele foi perguntar logo de amor...
Francisco calou uma sala cheia de pretensos conhecedores do sofrimento humano, com uma única pergunta que tratava do seu sofrimento singular. Que sábio esse tal Francisco!!!

Mas não era de solidão que eu falava antes?
E será que a solidão e o amor estão tão distantes assim?
A solidão acontece PELA ausência do outro, já o amor acontece, muitas vezes, NA ausência do outro. Afinal, quem nunca amou sozinho???
Aliás, quem, como o Francisco, nunca amou a pessoa errada?
Mas, afinal, o que é amar a pessoa certa? Existe lógica e razão no amor?
Quem nunca se sentiu mais sozinho depois de perder um grande amor? A solidão acompanhada de saudade sempre dói um pouco mais...
Não pude dizer estas coisas ao Francisco. Sua pergunta me inquietou tanto, que não consegui falar.
Vou escrever uma carta a ele, já decidi.
Não vou responder àquela pergunta, porque ela é minha também. Mas, acho que vou dividir com ele todas estas dúvidas. Vou dizer ao Francisco que suas dores não são só suas, que seus “erros” não são só seus e que o amor nunca tem razão.
Acho que vou usar Carlos Drummond para ilustrar...

“ Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
E nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
E com amor não se paga.
Amor é dado de graça
É semeado no vento,
Na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
E a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo
Bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
Não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
Feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,
E da morte vencedor,
Por mais que o matem (e matam)
A cada instante de amor.”
(As Sem - Razões do Amor- Carlos Drummond de Andrade)

Que bom conhecer o Francisco! Quantas descobertas neste encontro!
Espero que a carta que escreverei traga um pouco de companhia a ele e, por alguns minutos, diminua a sua solidão...