segunda-feira, 31 de outubro de 2011

" O palhaço" e os esquisitos!

Adoro os esquisitos. Quem já leu alguma postagem anterior deve ter percebido isso. No cinema, na literatura, no cotidiano, os esquisitos sempre chamam minha atenção.
Chamo de esquisitos o que no senso comum às vezes chamam de anti-sociais. O que uma amiga chama de “outsiders”. O que um professor e supervisor chamou recentemente de periféricos. O que Clarice chamaria de não-pertencentes¹ e Juliano de “aqueles que experimentam o interior do trem como exílio e falta de lugar”². Enfim, esse povo que não se encaixa, que foge aos padrões (sociais, culturais, familiares, de relacionamento, etc).
O cinema fala muito deste tipo de gente. Amélie Poulain e seu fabuloso destino. Alexander Supertramp e a selvagem natureza que o dizimou. O menino Max que precisa enfrentar seus monstros (lindo, maravilhoso filme “Onde vivem os monstros”). O casal de “Medianeras Buenos Aires”. Germain de “Minhas tardes com Margueritte”. Lars e sua “Garota ideal”.  Entre tantos outros...
O mais recente esquisito que o cinema me apresentou foi “O palhaço” Benjamin-Pangaré. Um palhaço triste, em constante e profunda crise existencial. Um solitário que parece não se encaixar em nenhum lugar.
O pai dele lhe pergunta: “ O gato bebe leite. O rato come queijo. Eu sou palhaço, e você o que é?” Ele vai atrás desta resposta.
Confesso que saí deste filme atravessada, encantada, capturada pela história contada, dirigida e representada pelo excelente Selton Mello.
Um palhaço que faz rir e não vê graça em si, nos outros, na vida. Um solitário que busca alguém com quem dividir sua solidão. Uma pessoa que quer ser o que é, mas antes disso, precisa saber o que é. Alguém que não aceita fazer algo sem sentido, mesmo que ninguém se dê conta disso. Um corajoso que mergulha na própria crise para encontrar suas respostas.
A melancolia dele foi ressoando em mim através das suas expressões; do sorriso que quase não saía; do silêncio que parecia um grito; da dificuldade em elaborar cada frase dita. Ninguém queria olhar para a sua tristeza.
Se no mundo real não há lugar para os melancólicos, imagina no circo. Nos dois, são bem quistos os alegres; expressivos; comunicativos; seguros. Mesmo que eles cansem os ouvidos dos demais com tanta informação inútil, mesmo que suas palavras esvaeçam no minuto seguinte e sua alegria seja apenas teatral.
Como a melancolia do palhaço pode ser acolhida se todos esperam dele esta alegria incondicional?
Apenas a menina Guilhermina (que, na minha opinião, protagoniza no final a cena mais linda de todas) percebe sua tristeza e a acolhe. Como sempre, a criança olha o mundo e vê. O adulto olha e procura focar somente no que interessa e pode ser útil.
Acho que só quem é um pouco esquisito consegue se emocionar profundamente com este filme. Só neles o não-pertencimento de Benjamin-Pangoré pode ressoar.
Falei de personagens do cinema que me encantaram com suas esquisitices. Mas, devo admitir que conheço alguns desses na vida real e, não por acaso, foram e são as pessoas que caminham comigo.
Hoje mesmo conversava com uma destas amigas-esquisitas da minha vida e pensava sobre isso. Desabafávamos sobre o quanto é difícil caber nos espaços sociais, profissionais e familiares sem precisarmos podar o que somos, nem fingir o que não somos. Como manter nossos valores, críticas e crenças e, ainda assim, pagar as contas e sobreviver. Como gritar ao mundo: “Eu te deixo ser, deixa-me ser então.”³ e lutar para que isso aconteça de fato.
Não chegamos a nenhuma conclusão. Estas questões nos perseguem há alguns anos e acho que nos acompanharão por muito tempo ainda ( ou será para sempre?).
Talvez, seja essa a graça dos esquisitos: eles sempre têm questões. Não naturalizam, cristalizam, se conformam, ou acham que chegaram ao ponto final. Sempre algum fato, pessoa, imagem, palavra, cheiro, dor, alegria, filme vai afetá-los, vai tirá-los do caminho antes traçado. No mínimo, vai causar alguma inquietação.

Em um mundo de relações fugazes e pessoas exageradamente verborrágicas e superficiais, tenho orgulho de estar-com estas pessoas. Acho que todos os lugares aos quais não pertenci, todos os papéis aos quais nunca me encaixei, todas as “rodinhas de amigos” nas quais eu nunca coube; serviram para que entendesse que “o gato bebe leite, o rato come queijo e eu sou.... o que sou.” E tenho todo o direito de ser.

http://www.opalhacofilme.com.br/


 CITAÇÕES:
1- "A descoberta do mundo" - Clarice Lispector 
2- " Certeza do agora" - Juliano Garcia Pessanha
3- "Água Viva" - Clarice Lispector






1 Comentários:

Blogger pianistaboxeador21 disse...

Adorei! E adoro o Sábato também!

29 de junho de 2019 às 16:37  

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial