quinta-feira, 26 de maio de 2011

Clarice e Juliano...

Em postagens anteriores, descrevi minhas reflexões nascidas no término de alguns processos, como meu trabalho com os adolescentes e o estágio no Hospital Psiquiátrico. Hoje, escreverei sobre as sensações e emoções de um processo que se inicia, um processo de estudos, pesquisa e escrita. Ou, no meu modo de ver, um processo de penetração em um novo mundo que se abre.
E para penetrar e ser penetrada por este  “novo mundo” preciso abrir meus “canais de sensibilidade” para ser atravessada pelo máximo de sensações, informações, estranhamentos e inquietações que este mundo trará.
Sinto que , somente assim, estarei pronta para observar, compreender e escrever sobre a poesia inexplicável da vida, como descreve Drummond.
É como se tivesse que abrir meus poros, amplificar meus sentidos e deixar minhas entranhas expostas para sentir ao máximo. Deixar que o mundo se instale em mim para que daí surja a escrita e eu possa, assim dizer: “ Apenas escrevi no papel o que antes se inscreveu em mim.”¹
Para tanto, lanço mão de algumas "armas” muito familiares para mim: a solidão, o silêncio e, principalmente, algumas leituras essenciais. Na verdade, dois escritores (poetas, filósofos e tantas outras coisas que nem sei nomear) que me ajudam e acompanham neste processo: Clarice Lispector e Juliano Pessanha.
Algumas das idéias (angústias) que explicito neste blog são deles. Mas, já não sei quais, não sei onde li, nem como referenciá-las. Parece que estas já me penetraram de tal forma, que se misturaram com o que é meu. Mas, também já não sei muito bem o que é “só meu”. Será possível sabê-lo?
Não “uso” estes autores somente por causa da belíssima literatura, mas por falarem sobre as dores e sabores da existência e das relações humanas de forma visceral. Também pela forma como tratam a escrita como algo necessário para a sobrevivência, como se fosse a única forma de suportar o extraordinário,  inexplicável, e , muitas vezes, insuportável excesso de viver e de sentir.
Como neste espaço posso “escrever distraidamente” ², não me preocuparei com referências bibliográficas.
Recentemente, um professor “brincou” que a psicoterapia seria um Pilates da mente, um exercício que possibilita a sua expansão e alongamento. Uso esta metáfora para dizer que o mergulho nas profudenzas de Clarice e Juliano  através dos seus livros auto-biográficos, seria o Pilates da minha sensibilidade, um exercício que a expande quase aos seus limites.
Estou neste mergulho no momento e, inevitavelmente, me sinto à flor da pele. Ao mesmo tempo, com a mente livre e aberta ao que surgirá. Nas palavras de Clarice: “... estou um pouco assustada. É que não sei aonde me levará essa minha liberdade. Não é arbitrária nem libertina. Mas estou solta.” Ou ainda: "Estou tão ampla."
Só quero seguir este convite: “Penetra surdamente no reino das palavras.”³
E sinto que este caminhar não será solitário. No mínimo, terei as excelentes companhias de Clarice e Juliano...

Encerro com um poema do Juliano Pessanha que fala de solidão, não-pertencimento e de poesia (talvez, de escrita). Não dá para conter a emoção diante destas palavras:
“ A poesia se converte em religião para aquele que chegou ao limite do despossuimento da fala. Quando o mundo vai se desvanecendo e indo embora, quando os outros vão ficando estranhos e o insondável vira o nosso cotidiano companheiro, tudo o que desejamos é um religamento; um maçarico amoroso que solde novamente nossa pertença quebrada e nos retire deste divórcio de suspensão.
Quando todas as outras prosas vão morrendo e se gastando, só a poesia pode nos acordar e reintroduzir-nos na vitalidade e na trama do tempo...
Mas a poesia deve então instaurar um novo mundo, pois o antigo já não tem mais sentido para nós... já perdemos a familiaridade... e sonhamos com uma nova espessura do tempo – o tempo feito de outra tecedura.”   ( Sabedoria do Nunca – Juliano Garcia Pessanha)

Laura


Citações:
1 -  Juliano Garcia Pessanha – Certeza do agora : " O Trem, o Entre e o Paradiso Terrestre"
2 – Clarice Lispector em algum dos seus livros
3 – Este trecho de Carlos Drummond de Andrade é utilizado no Museu da Língua Portuguesa  como convite para “penetrarmos” na Praça da Língua – uma espécie de “planetário da Língua”. Um lugar indescritível:  http://www.museudalinguaportuguesa.org.br/


P.S. Dedico este texto ao amigo-amado Diego, com quem compartilho há anos estas três paixões: a escrita, Clarice e Juliano. Obrigada por me inspirar com sua sensibilidade singular e suas palavras com sabores que jamais esquecerei.



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