quarta-feira, 26 de outubro de 2011

A solidão na era virtual...

Ontem assisti a um filme¹ -“Medianeras - Buenos Aires da Era do Amor Digital ” que me fez repensar esta questão tão atual. Um filme gostosinho e tranquilo de assistir, sem muitas cenas impactantes ou diálogos fortes, mas ainda assim, cheio de pequenas reflexões.

O filme trata da vida de dois jovens solitários, em seus apartamentos minúsculos e mal iluminados, suas dificuldades de contato e suas pequenas relações fugazes.

Ela, uma vitrinista que conversa e faz sexo com seus manequins (isso mesmo, aqueles bonecos utilizados para decorar vitrines), saiu de um relacionamento longo depois de olhar para o seu companheiro e perceber que não mais o conhecia. Sua grande inquietação: encontrar Wally na cidade, naquele livro  “Onde está Wally?”.

Ele, um programador de sites que vive em uma kit, cercado por personagens de jogos e uma cachorrinha deixada para trás (assim como ele) por sua ex-namorada que foi embora para os Estados Unidos. Ele diz ter depressão, fobia, ataques de pânico, tensão muscular e tantos outros males contemporâneos. Busca companheiras em sites de relacionamentos e se espanta com tamanha futilidade quando as conhece.

Embora morem próximos;  se esbarrem em várias situações durante o filme e tenham tantas afinidades (choram enquanto assistem “Manhattan” de Woody Allen e cantam com entusiasmo a mesma música que toca na rádio local), não conseguem encontrar-se. No filme, a culpa deste grande desencontro nas grandes cidades é dos arquitetos, que as projetam de maneira que as pessoas se isolem.

O tão esperado encontro acontece em um chat na internet.

Nem parece ficção. Fui assistindo ao filme e pensando que podia ser a história de dois amigos próximos ou quem sabe a minha própria.

Em São Paulo ou Buenos Aires, onde as pessoas vivem, inevitavelmente, cercadas por tantas outras, como ainda se sentem tão solitárias? Como conseguem se esbarrar, freqüentar os mesmos locais e não se olharem?

Outro dia, estava no metrô (lotado como sempre) quando uma senhorinha, que foi empurrada pelo grupo que insistia em entrar onde não cabia mais ninguém, segurou nos meus braços, ficando quase abraçada comigo. Assim ficamos por umas 5 estações. Estávamos constrangidas e, ao mesmo tempo, conformadas com a situação.

Não me lembro se nesse dia abracei mais alguém. Alguém que eu quisesse, de fato, abraçar. Um abraço que não fosse só um acidente...

Apesar de viver em São Paulo há 35 anos e fazer uso de transporte público há mais de 20, ainda estranho estas situações.

Somos obrigados a conviver tão próximos (fisicamente) de tantos desconhecidos, pessoas com quem temos, certamente, muito em comum (o cansaço; a revolta pela falta de um transporte adequado; a angústia de saber que isso se repetirá todos os dias), mas com quem não temos e não teremos nenhuma intimidade, amizade ou afinidade.

E mesmo com esta proximidade constrangedora, é como se cada um estivesse em um planeta diferente.

Um professor da graduação escreveu um artigo² que tratava disso. Ele falava que as pessoas estavam nos transportes coletivos, mas era como se ingressassem em um lugar inexistente, que ele chama de “não-lugar”. Como se as pessoas se tele-transportassem para este não-lugar através dos seus livros; da música que ouviam em seus fones ou mesmo do cochilo que tiravam. Como não estavam ali, não se viam, nem percebiam, muito menos poderiam entrar em contato umas com as outras.

As pessoas passam horas ao lado de outras, depois chegam em casa e entram em chats; redes sociais; MSN para conversar com alguém. Só assim para diminuir a solidão. Engraçado não é?

No filme mencionado, isso assusta porque vemos de fora. Mas, quando somos nós que não conversamos com o vizinho, mas nos tornamos amigos de alguém que mora em outro país, não estranhamos. Chamamos isso de globalização.

O jovem do filme define isso muito bem: “A Internet me aproximou do mundo, mas me afastou da vida.”

Uma prova disso são as redes sociais. Não faço esta crítica “de fora”, também faço parte do mundo virtual. Afinal, uso este blog para falar de mim.

Certamente, as pessoas que convivem superficialmente comigo na família; faculdade, Pós, ambientes de trabalho e outros tantos locais, me conheceram mais pela rede social ou por aqui, do que em anos e anos de convivência pessoal.

Acho isso errado? Não. Absurdo? Não. Isso me assusta? Não. Será tema na minha terapia? Provavelmente, não.

Só me assustarei no dia em que preferir olhar paisagens pela tela (de computador ou televisão) do que pessoalmente (como dizia Ernesto Sábato).  No dia em que preferir uma imagem de Ubatuba a sentir meus pés descalços naquelas lindas praias. 

Me assustarei se um dia não tiver mais meus bons e amados amigos reais (Fê, Di, Lê, Gil, Ed, Dé) para abraçar, rir, conversar, discutir, discordar. 

Mas, também não reclamo da solidão na era virtual. Faço dela minha companheira necessária. Preciso da solidão para pensar; para respirar; para escrever; para me admirar com o mundo e até com estas coisas modernas.

Acho que o mundo virtual foi um grande presente para os tímidos; reservados; não-pertencentes; esquisitos ou, simplesmente, solitários.

No mundo virtual é possível estar-com na medida. Você pode conversar com 5 amigos virtuais ao mesmo tempo, mas pode desligar quando a conversa se tornar entediante ou quando eles se tornarem umbigados demais. Você pode falar de si só o quanto quiser, sem preocupar-se com a exigência atual pelo excesso de comunicação e exposição. Ainda me espanto quando vejo pessoas expondo suas intimidades diante de estranhos. Mesmo quando sou eu que estou a ouvir. Cada vez mais o privado se torna público e ninguém parece se incomodar com isso.

Enfim... o mundo virtual possibilita, inclusive, que eu jogue estas palavras que aqui estão sem a menor preocupação de agradar ou conquistar alguém. Quem me conhece de verdade, as une ao meu modo-de-ser e vai criando um desenho meu . Quem não me conhece e me lê aqui, vai imaginando como eu sou (se tiver tempo a perder com isso). Vai acertar um pouco, errar outro tanto, mas, certamente, vai me conhecer melhor do que se estivesse comigo em uma rodinha de amigos numa mesa de bar. Como diria Criolo³ : “Os bares estão cheios de almas tão vazias”. (Mas... esta frase e a música toda merecem uma outra postagem)

Mas, ainda assim, acho que os BONS encontros pessoais são insubstituíveis (como descrevo em uma postagem anterior).


No filme, a jovem encontra seu Wally. Ele encontra alguém que não terá somente futilidades para contar. Eles estarão acompanhados (comerão do mesmo pão), compartilhando suas tantas esquisitices e a solidão.

Nas palavras de Clarice, sobre um outro casal fictício (Lóri e Ulisses), solitário e um tanto estranho do seu livro “Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres”:


 “ Amor será dar de presente um ao outro a própria solidão? Pois é a coisa mais última que se pode dar de si.”



Cena do filme "Medianeras ..."

 REFERÊNCIAS:

1 –  http://www.youtube.com/watch?v=yVUQx99jzHQ 

2 – “O espaço do transporte público: o não-lugar” – Ricardo Gomides Santos 

3 – “Não existe amor em SP” – Criolo

 http://www.youtube.com/watch?v=f35HluEYpDs

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