domingo, 12 de junho de 2011

"Minhas Tardes com Margueritte"

Hoje volto a escrever sobre um filme – “Minhas Tardes com Margueritte”.
Um filme francês, sobre uma amizade improvável de duas pessoas muito diferentes. Me lembrei do “Mary e Max” sobre o qual escrevi em alguma postagem anterior.
Adoro ver e pensar a aproximação de universos distantes de pessoas que não teriam esta possibilidade se não fosse pelo acaso. E quanto as diferenças podem transformá-las...
Engraçado pensar que, no mundo atual, as pessoas temem o diferente. Cada vez mais, buscam lugares; comunidades; grupos e seitas, simplesmente, para terem a certeza que encontrarão somente seus semelhantes. É só pensar nos sites de relacionamento, que prometem unir casais que tenham perfis, atividades e projetos de vida muito próximos e, para tanto, fazem até avaliação de personalidade de todos os seus membros (algumas feitas, inclusive, por psicólogos). Estes sites garantem que seus membros (pagantes, claro) tenham o privilégio de não perder tempo com pessoas diferentes ou “inferiores”. Eles garantem que só os iguais (em conhecimentos, classe social, formação e condição socioeconômica) poderão aproximar-se. Que tédio deve ser! Que horror imaginar pessoas que temem tanto a diversidade.
Quanto mais as pessoas se fecham nos seus mundos, mais elas perdem a delícia que é surpreender-se com os encontros, admirar-se com a diversidade, apaixonar-se pelo mundo do outro e pelos outros mundos possíveis.
 
Mas.... estava aqui para falar sobre o BELÍSSIMO filme “Minhas Tardes com Margueritte”. E isso que farei.
O filme fala sobre solidão; amizade; educação (e violência escolar); encontros inesperados; amor; maternidade e livros. Livros como fonte de conhecimento, mas, muito mais, como abertura para novos mundos e possibilidades.
O encontro inesperado acontece entre Germain, um homem simples, ingênuo (alguns dizem burro) e extremamente sensível e a nonagenária Margueritte, uma mulher que viveu muitas coisas, viajou para muitos lugares e hoje vive solitária em uma casa de repouso.
Ele, um homem gordo, que nunca desenvolveu sua habilidade para a leitura graças a professores inaptos e violentos e um sistema educacional que rejeitava a singularidade e não sabia lidar com suas limitações (alguma semelhança com o que encontramos nos dias de hoje?). Ela, uma senhora frágil, com uma doçura peculiar e um conhecimento literário singular, mas, principalmente, uma paixão ilimitada pelo universo das palavras.
E são estas palavras que unirão estes dois mundos distantes.
Ela vê brilho no jeito de ser do gigante e atrapalhado Germain. Ela vê sensibilidade onde os outros vêem somente ignorância. Ela vê o humano que existe além da aparência. Ela vê o essencial.
Ela apresenta a ele o mundo encantado das palavras, seja em lindas histórias dos livros que ela tanto conhece, seja na simplicidade do dicionário. Ela percebe que ele não sabe ler bem as palavras, mas as sente e entende como poucos.
E ele logo se encanta com as histórias, com os significados, com os novos lugares que ele visita através dos livros, com o amor que Margueritte lhe transmite com o gesto carinhoso de compartilhar seu mundo com ele.
Esta amizade torna-se essencial em suas vidas. Ele, filho de uma mãe que não sabe amar, amigo de homens que não sabem respeitar e aluno de professores que não sabiam ensinar; agora possui uma amizade que possibilita o amar, o respeitar, o ensinar, o compartilhar, o desabafar, o ser e o estar.
Ela, solitária, agora tinha companhia. Alguém que podia amar e para quem transmitir e deixar sua maior herança – a literatura.
É incrível como as palavras tem poderes infinitos. E o que mais admiro, que é o centro deste filme, é a possibilidade de aproximar pessoas.
Quando leio ou ouço alguns autores, sinto-me como Germain – encantada, renovada, sensibilizada e profundamente agradecida. Estes sábios escritores, que encontraram formas de nomear a beleza e as dores do mundo como eu jamais conseguiria, tornam-se próximos, quase companheiros. Quando leio Clarice, por exemplo, é como se estivéssemos sentadas no banco de uma praça, contando e nomeando pombos. É como se ela me (re)apresentasse o mundo das palavras a cada nova frase lida.
Não sei o que seria do mundo e dos encontros humanos sem as palavras. Não sei o que seria da Psicologia sem as palavras. Não sei o que seria da amizade e do amor sem as palavras. Não sei o que seria de mim sem as palavras.

Para encerrar, vou usar um trecho que abre um belo livro, no qual as palavras são usadas para “atravessar” o leitor, para tirá-lo da sua “letargia perante a vida” e do seu lugar de “espião da vida”¹:
“ Porque alguns livros são capazes de nos capturar, de nos puxar para fora da hipnose dos hábitos e das ‘sentinelas do conceito’, estabelecendo conosco uma estranha conversa. Com esses textos podemos cultivar uma espécie de amizade, que não nos conforta nem nos confirma, mas nos lança diretamente na urgência das questões. (...) As reverberações da leitura permanecem.”²


Citações:
1 – Heitor Ferraz sobre “Sabedoria do nunca” de Juliano Garcia Pessanha
2 – Cassiano Sydow Quilici sobre “Instabilidade Perpétua” de Juliano Garcia Pessanha

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