domingo, 29 de dezembro de 2013

Esse texto não é meu, mas bem que poderia....

"Chorei porque eu era um ser humano que tinha dado defeito. Todos os outros tinham exoesqueletos, armaduras que usavam para que os afetos não os rasgassem. Eu não. Se eu visse um mendigo, sentia o mesmo que o mendigo. Se eu visse uma criança de rua, sentia a fome dela. Se eu visse um cavalo sendo chicoteado, surgiam vergões na minha própria pele. E se fosse um cão, tinham de passar óleo diesel queimado em mim porque a sarna não cedia. As pessoas no meu trabalho perdiam a mãe, o pai, o filho, o cão, a gata, o peixe alaranjado no aquário, e, no dia seguinte, estavam de volta, falando em reponsabilidade, dando sermões, felizes por fazerem parte da máquina. Eu era desamparado como um caramujo sem casa, um joão-de-barro sem casa, como uma tartaruga sem casco. Não, pior ainda, eu era como o casco, cuja tartaruga fora devorada por ratos enquanto hibernava... O oco... O vazio... A ausência de buraco. Ainda assim, tudo me rasgava. Toda dor humana ou animal, fazia questão de passar pela minha fissura. Como se eu fosse um dínamo de tudo aquilo que sangra e sofre na Terra. Haja corpo!"  (DANIEL LOPES - 
TRECHO DO CONTO "QUANDO O HARLEY VOLTAR")

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial